BORDANDO VIDA E OBRA:
LACUNAS BIOGRÁFICAS DE UM ARTISTA
A figura de Bispo do Rosário e seu legado artístico demonstram uma autobiografia conexa enquanto se cruzam como a trama de um tecido que carrega histórias contadas pelos bordados gravados nele. Ao mesmo tempo, existe uma dicotomia entre Bispo e sua obra, que não estão dispostos à premissa de uma ideia única, ficam apenas espelhados e sujeitos a criar um diálogo baseado em ambas as partes.
Arthur Bispo do Rosário nasceu em Japaratuba/SE. Dúvidas pairam sobre sua data de nascimento. Em sua ficha de identificação para solicitação de documento de identidade registrada pela Marinha do Brasil consta a data de 14 de maio de 1909. Um registro de batismo encontrado na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Saúde, em Japaratuba/SE, indica que Bispo do Rosário nasceu em julho de 1909 e foi batizado em 5 de outubro do mesmo ano. Já a ficha de admissão da companhia de eletricidade Light, informa outra data: 16 de março de 1911.
Dentro do território nordestino, Arthur teve uma infância que foge da noção exata e relatada, mas de vida humilde, construções nítidas em suas obras, destacam vivências religiosas, ancestrais e estratégicas, fincando experiências que nos falam de uma juventude preta e marginalizada, comum a muitos outros nordestinos.


Sergipe, a capital nacional dos bordados, reforça sua ligação com o território e faz jus à sua naturalidade. Proximidades e vínculos ancestrais estão presentes nas complexidades da obra de Bispo. Mas para o Bispo “pouco importava de quando era e de onde vinha. A questão era: para onde iria?”
No dia 22 de dezembro de 1938, Bispo do Rosário se deslocou até o Mosteiro de São Bento, localizado no centro do Rio de Janeiro, e se apresenta aos frades como “aquele que veio julgar os vivos e os mortos”.
Dado como louco, Bispo foi encaminhado para o Hospital Nacional dos Alienados e diagnosticado como esquizofrênico paranoide. Em 25 de janeiro de janeiro de 1939 foi transferido para a Colônia Juliano Moreira, na qual passaria o resto de sua vida.
Foram mais de cinquenta anos dentro da Colônia, entre idas e vidas, entre a clausura e a liberdade, Bispo se encontrou no pavilhão 10 do núcleo Ulisses Viana, bordando vida e obra numa só sintonia até o dia de sua morte, em 5 de julho de 1989, vítima de um infarto no miocárdio, arteriosclerose e broncopneumonia..
Arthur Bispo do Rosário performou em vida a ideia da coleção de memórias, colocando uma prática mnemônica em ação que está entranhada nas obras feitas por ele. Essa prática também envolve um contexto de missão divina que exibe, como princípio ativo, a salvação da humanidade.
Bispo produzia principalmente bordados feitos à mão, com linhas desfiadas de uniformes de tonalidade azul dos internos da instituição na qual estava internado. O azul representava a cor da aura que o rodeava e que delineava seu cotidiano em torno de suas experiências dentro de sua comunidade.
Suas obras são rodeadas pelo discurso apresentado naquele dia 22 de dezembro. A ideia de salvação norteia sua missão divina de recriar o mundo através de suas miniaturas, bordados, estandartes e demais peças. Organizar o mundo e se desligar do caos, que inconscientemente era formulado em seu patrimônio.
Carluz
Historiador e arte-educador baseado em Itu/SP.